O patriotismo é uma forma de reverência que tem apoio na tradição. É um sentimento, raro hoje, de respeito pelos antepassados. É um modo peculiar, racional e afetivo, de ver no chão de uma terra o sinal de pés antigos. É um modo especial de adivinhar numa paisagem os sinais, os comoventes sinais de antigas mãos. É um modo sem igual de simpatizar com dores passadas e de se alegrar com passadas alegrias. É ter uma história comum, que vem de longe, cantada na mesma língua e vivida no mesmo grande e permanente cenário.
Patriotismo é pois a virtude da longa continuação e da grande fidelidade. Fundamenta-se no passado, como raiz, e valendo-se do que houver de genuíno nesta tradição projeta-se para o futuro. O patriota deseja um Brasil melhor, deseja com todas as forças da virtude bem equilibrada a perfeição do seu povo, de sua cultura, de suas instituições. O nacionalista também deseja um Brasil melhor, mas num outro sentido. Na verdade o que ele deseja é um outro Brasil. Seu critério está mais numa invenção do que numa continuação, é mais idéia do que realidade. Existe pois, sob este ponto de vista, uma diferença radical entre os dois espíritos. O patriotismo é uma reverência diante de uma realidade que continua. O nacionalismo é uma exultação diante de uma idéia a ser realizada, de uma coisa que não existe, sonho de uns poucos, pesadelo de muitos.
Sobre o autor:
Gustavo Corção é considerado um dos maiores escritores brasileiros de toda a história da literatura nacional. Nasceu em 17 de dezembro de 1896 no Rio de Janeiro. Fez o curso de Engenharia na antiga Escola Politécnica do Rio de Janeiro, posteriormente lecionou eletrônica aplicada às telecomunicações, trabalhou em astronomia de campo, em serviço de força e luz, em radiocomunicações e em atividades industriais até 1948. Casou-se em 1924, ficou viúvo e casou-se novamente em 1937. Converteu-se à Igreja Católica em 1939 e publicou seu primeiro livro, A Descoberta do Outro, em 1944 (Agir). Foi diretor da revista A Ordem e do Centro Dom Vital, do Rio de Janeiro, colaborador semanal de O Estado de São Paulo, do Diário de Notícias do Rio de Janeiro, do Correio do Povo de Porto Alegre e de O Globo do Rio de Janeiro. Corção morreu em 6 de julho de 1978.